
(rascunhos transcritos 18/04)
Tentei recortar a silhueta da ilha no horizonte apinhado de prédios da capital paulista. As nuvens logo atravessaram o caminho antes de eu contar com precisão quantas construções daquelas caberiam na área total de Florianópolis.
Eu comprara uma revista importada e um chocolate que custara mais que o jornal - cujo caderno de cultura não é bom nas sextas-feiras. Já era 9:30 e ao lado do vôo 3212 ainda alternavam-se "estimado" e "estimated". Sentei, depois de uma breve reflexão sobre quem era o vizinho mais propício (o escolhido foi um senhor, ocupado honrando a designação "laptop"), e mergulhei na sessão de ficção da revista - emergindo ocasionalmente para ouvir os números de vôo anunciados. Afundei, porém. Somente ao ler "I glanced at my watch and couldn't believe it was only nine-tirty" dei uma olhada no meu próprio relógio e não pude acreditar que já eram 9:47. Ao lado do 3212 agora havia um sólido "última chamada". Corri e, junto de um casal, cheguei a tempo para a van dos atrasados.O vôo estava cheio, ao contrário do que me levou do amanhacer pálido no litoral catarinense ao céu fechado de São Paulo. Depois de comprar a revista, porém antes de começar a minha agonia com o tempo, eu saíra meio metro além da porta do aeroporto para respirar o ar da cidade. Me pareceu romântico, a idéia veio com meu sentimento caro à metrópole. Ali estavam reunidos os fumantes, mas não foi essa fumaça que isnpirei. Ao voltar para o ambiente fechado em senti tola por querer encher os pulmões de tal atmosfera cinzenta.
No meio do caminho em direção a Congonhas, vi uma enorme massa de umidade sobre o Atlâtico. A princípio pensei "uma frente", mas a frente é só a frente da massa. E ali eu não sabia qual era a frente e, afinal, nem conseguia ver as costas.
A caixinha do sanduíche era xadrez. Vermelha, como o logo da companhia. No caso o logo era branco, estampado sobre o vermelho. Eram dez para as onze e eu não sabia como ia almoçar. O avião ficara tempo parado no pátio.
Quando ainda piscavam "estimado" e "estimater", considerei a possibilidade de o vôo atrasar. Imaginei-me no aeroporto de Salvador por quinze horas durante a crise aérea. Não voei na época. Na verdade, vôo pouco.
Ao longo de 17 anos (desde os meus 2), foram quatorze vôos internacionais e vinte domésticos, salvo engano, sem contar as escalas até a Cidade do Panamá e mais algumas "aulas" de pilotagem no Luscombe (teco-teco) de meu pai ("manche e pedal, manche e pedal...") entre Rio do Sul e Florianópolis. Contei enquanto comia meu lanche, incluindo no número total o vôo no qual me encontrava.
Aproximando-me de Congonhas, pensei sobre a possibilidade de explodir em algum galpão do aeroporto. Nos vôos internacionais, geralmente me imagino caindo no oceano. Não tenho medo, é só minha mania de imaginar futuros alternativos (morrer no Atlântico seria bem alternativo aos meus planos). Desde criança brigo pelo lugar à janela, adoro a sensação de decolar.
Imaginei estar em solo mineiro. Essses vôos acabam tão rápido... Então, num momento cliché (como quando fui respirar o ar paulistano), olhei para o horizonte de certa forma belo, porém o mesmo horizonte anuviado da viagem toda. O constante não me é tão caro.
Assim como me apaixonei por São Paulo em quatro dias, num dezembro passado, apaixonei-me por aeroportos e aviões em dez viagens, com direito a narração das atividades dos flaps e do recolhimento dos trens de pouso, na voz de meu pai. Adoro estar sozinha em um aeroporto. Só não tive coragem de tomar outro café (além do caro e ruim que comprei no Hercílio Luz, às 5h da manhã) por causa do preço. Comi o biscoito que ganhei no primeiro serviço de bordo.
Às vezes me incomoda que o trabalho de pouso é anunciado e o destino ainda está fora de vista (sempre está). Olha para a janela de minuto em minuto, buscando a transição da paisagem montanhosa para as ruas e prédios de BH. Bem, nunca estivera lá e não sabia se até Confins veria alguma coisa. Só sabia que uma viagem de ônibus de uma hora me aguardava, para chegar ao centro da cidade. Não terminei de ler o conto de ficção que, de alguma forma, não parecia mesmo terminar.
A asa se moveu. Não lembro mais quais são os flaps, mas acho que são eles mesmo. Mais alguns quilômetros turbulentos antecederam o pouso. O fim. Não foi tão bom quanto o do primeiro piloto. E o aeroporto realmente fica nos Confins, só vi árvores durante o breve rasante rumo à pista. Pelo canto da janela pensei ter visto, no horizonte, os prédios horizontinos.
Mais alguns minutos de aeroporto e me renderia ao transporte terrestre. Pelo menos ainda havia a volta (com mais dois vôos para a conta).
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