A chuva e eu já éramos íntimas. Ela já molhou com seus dedos os meus cabelos, violou minhas proteções para me alcançar obliquamente, entrou em meu apartamento sem bater à porta. Ela esteve comigo consolando-me, embalando-me com sua música tempestuosa.
Nosso relacionamento nunca foi estável, pois nenhuma de nós o é. Já senti saudades suas, olhei para cima esperando que caísse em meus braços. Tantas vezes mandei-a embora quando veio sem avisar, ela me ignorou. Ela já estragou meus planos, já zombei dela quando chegou a mim fraca e melancólica, ela já zombou do meu biquíni.
Mesmo assim, sempre mantivemos esta relação platônica. Imagino-a, forte e voluptuosa como tanto me atrai, nos meus momentos mais românticos. Quero dançar com ela, tê-la envolvendo todo meu corpo. Traí-la em outros braços, sentir sua fúria sobre meus ombros.
Não sabia o que viria deste relacionamento tortuoso, até que ontem meus lábios ela alcançou. Um beijo leve, singelo, verdadeiro. A chuva beijou-me por tão breve segundo que mal pude retribuí-la. Diferente do calor do beijo da boca alheia, que arranca tudo, do ventre ao coração, consome todo interior com sua respiração pesada e arfante, o beijo da chuva não nos tira nada. Só nos enche de frescor, como uma lágrima doce que escorre até os lábios.
Com suas mãos geladas acariciava minha nuca, arrepiava e confortava-me. Fria, ainda assim tenra. Agora eu sei, ela me entende, ela sente o que sinto. Chuva, me acompanha. Vai comigo até aquela porta, bate nela antes de mim. Segura minha mão e me dá uma desculpa para tremê-la. Beija aqueles lábios que não ouso eu tocar.
Um comentário:
Lindo, Carol!
Deu vontade de tomar aquela chuva de verão...
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