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sábado, novembro 08, 2008

claustrofobia

Olhei em volta e me dei conta de que estava na minha vida. Levantei a cabeça do braço do sofá, onde ela repousara pelas últimas duas horas e treze minutos, sentei-me com uma postura duvidosa – não tanto quanto o local de onde vem meu colega de apartamento, que girou a chave e entrou em casa no exato momento, correndo para o banheiro. Minha vida, minha vida, meu roommate, meu apartamento – que não é meu, nem dele. O apartamento onde passei meus últimos dois anos, o qual varri poucas vezes e para onde trouxe umas quatro garotas diferentes (sim, só quatro). A cidade onde moro há quase três anos e que deixarei ao fim deste, a cidade onde chove aos fins de semana – “minha vida é aqui”, me dei conta, de repente.

Odeio ser interrompido pela realidade. Estava tão bem, sonhando e me lamentando, quando vi o quadro na parede e percebi que estava vivendo. A vida me deixa claustrofóbico, jamais me permite fugir. Até sei como, mas as regras não me permitiriam voltar. Como eu queria apenas tirar umas férias e voltar para uma vida mudada – como quando você encontra seus amigos com um novo corte de cabelo e bronzeado em março. Eu sempre continuo o mesmo, apenas com a barba por fazer e a marca da camiseta estampada pelo sol.

Férias, mesmo ainda enclausurado nessa vida, me fariam muito bem. Tive de jogar pilhas de livros e Xerox ao chão para deitar no sofá; agora estende-se um tapete de referências bibliográficas no meio da sala. Prazos, prazos, meus prazos. Eles também haviam deixado minha cabeça enquanto essa deixava-se apoiar, sem esforço. Tentei deitá-la novamente, mas não funcionou. Continuei enxergando o teto, real. As marcas de mosquitos mortos em um verão passado permaneciam. As marcas de sonhos mortos em mim ainda coçavam, mas eu não as tocara para não fazer ferida – por que fazê-lo agora?

Não, nunca pisei na Europa. Tudo porque perdi o maldito prazo. Currículo impecável, desleixo completo – uma coisa não pode compensar pela outra? Não em Amsterdam. Acho que nem aqui, pra dizer a verdade. Às vezes tenho vontade de enrolar minha orientadora e perder o prazo da dissertação, só para ver a cara de incredulidade dela. É uma cara engraçada, que já tive a oportunidade de presenciar algumas vezes. Algo como a produção instantânea de rugas no rosto que, do alto de seus 37 anos, é tão jovem. Tento não causar essa expressão muito freqüentemente, com medo de tornar as marcas permanentes. Seria uma pena.

Quis olhar no espelho, tenho uma certa síndrome de Dorian Gray. Temo que o reflexo seja meu retrato, e que a vida vá deformando-o enquanto meu corpo permanece jovem e intacto. Sempre o mesmo depois das férias, o mesmo há uns quatro anos; isso me dá arrepios. Eu fiz o bastante nesse tempo para desfigurar-me um pouco, ao menos. O Daniel saiu do banheiro e me olhou como se visse algo de errado – ou fui eu que vi algo de errado através do reflexo nos olhos dele?

Sinto-me também preso em meu corpo. Tentei levantar do sofá mas a inércia me impede, meus músculos não conseguem se contrair. Comer mais bananas – anotei em minha to-do list mental; nem sei se faria alguma diferença. Além do mais, o processo envolveria ir até o mercado, o que é difícil quando não se consegue sequer erguer-se sobre duas pernas. Rendi-me – joguei-as para o outro canto e acomodei a cabeça sobre duas almofadas. Fechei os olhos e esperei que o sono me tirasse daqui de dentro; me levasse de férias.

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