Odeio ser interrompido pela realidade. Estava tão bem, sonhando e me lamentando, quando vi o quadro na parede e percebi que estava vivendo. A vida me deixa claustrofóbico, jamais me permite fugir. Até sei como, mas as regras não me permitiriam voltar. Como eu queria apenas tirar umas férias e voltar para uma vida mudada – como quando você encontra seus amigos com um novo corte de cabelo e bronzeado em março. Eu sempre continuo o mesmo, apenas com a barba por fazer e a marca da camiseta estampada pelo sol.
Férias, mesmo ainda enclausurado nessa vida, me fariam muito bem. Tive de jogar pilhas de livros e Xerox ao chão para deitar no sofá; agora estende-se um tapete de referências bibliográficas no meio da sala. Prazos, prazos, meus prazos. Eles também haviam deixado minha cabeça enquanto essa deixava-se apoiar, sem esforço. Tentei deitá-la novamente, mas não funcionou. Continuei enxergando o teto, real. As marcas de mosquitos mortos em um verão passado permaneciam. As marcas de sonhos mortos em mim ainda coçavam, mas eu não as tocara para não fazer ferida – por que fazê-lo agora?
Não, nunca pisei na Europa. Tudo porque perdi o maldito prazo. Currículo impecável, desleixo completo – uma coisa não pode compensar pela outra? Não em Amsterdam. Acho que nem aqui, pra dizer a verdade. Às vezes tenho vontade de enrolar minha orientadora e perder o prazo da dissertação, só para ver a cara de incredulidade dela. É uma cara engraçada, que já tive a oportunidade de presenciar algumas vezes. Algo como a produção instantânea de rugas no rosto que, do alto de seus 37 anos, é tão jovem. Tento não causar essa expressão muito freqüentemente, com medo de tornar as marcas permanentes. Seria uma pena.
Quis olhar no espelho, tenho uma certa síndrome de Dorian Gray. Temo que o reflexo seja meu retrato, e que a vida vá deformando-o enquanto meu corpo permanece jovem e intacto. Sempre o mesmo depois das férias, o mesmo há uns quatro anos; isso me dá arrepios. Eu fiz o bastante nesse tempo para desf

Sinto-me também preso em meu corpo. Tentei levantar do sofá mas a inércia me impede, meus músculos não conseguem se contrair. Comer mais bananas – anotei em minha to-do list mental; nem sei se faria alguma diferença. Além do mais, o processo envolveria ir até o mercado, o que é difícil quando não se consegue sequer erguer-se sobre duas pernas. Rendi-me – joguei-as para o outro canto e acomodei a cabeça sobre duas almofadas. Fechei os olhos e esperei que o sono me tirasse daqui de dentro; me levasse de férias.
Nenhum comentário:
Postar um comentário