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sexta-feira, maio 16, 2008

Epifania

Eu não sabia o que fazer. Estava sentado na sala de embarque com a passagem e o peso da decisão equilibrados entre meus dois joelhos. Me agradavam as políticas aeroportuárias; nada de acompanhantes inoportunos ao seu lado até os últimos minutos que antecedem o vôo. Viajava sozinho e só não aguardava sozinho porque centenas corpos disputavam assentos naquela véspera de feriado; centenas de vozes ecoavam no teto alto, algumas dezenas de choros de bebê.
Deixei a pasta na poltrona ao lado até que uma jovem parou ao meu lado e começou a praguejar, para si (esperando que eu ouvisse, suponho), sobre a falta de consideração das pessoas. Tive vontade de lhe perguntar quem teria consideração por mim, os dois carrinhos cheios de malas à minha frente. Coloquei o óbvio invólucro de um laptop sobre o colo, não sem hesitar. Guardei a passagem, não podia mais calcular seu peso com aquele IBM de 3kg sobre as pernas.
Não me pergunte por que eu paguei uma passagem mais cara para esperar em uma sala lotada, viajar em um vôo lotado e pegar fila no caixa da Lasselva. Carreguei uns quatro livros durante todo o meu passeio de 30 minutos pela loja, mas acabei comprando só um Toblerone que nunca vira antes. E me prometi nunca mais gastar um centavo em aeroporto algum.
Depois que sentei, porém, não podia mais sair. Aqueles dois assentos esvaziaram-se milagrosamente enquanto eu passava por eles. Já haviam destituido-me de um; do outro, jamais. A garota ao meu lado tinha fones de ouvido e cantarolava sem emitir som algum. Perguntei-me como era sua voz, que não ecoava em coro com as outras. Então lembrei-me de suas reclamações e percebi que estava romancizando o momento. Afinal de contas nada havia de romântico nele.
Voltei-me para a nuca adiante, mas não foquei o olhar na pele nua. Desfoquei o salão à minha volta e tentei pensar em nada. Sempre achei bonita essa história de meditar. Mas não sei se alguém já tentou fazê-lo em Congonhas, 23 de dezembro. O máximo de esvaziamento que atingi foi fixar a mente no apartamento vazio que me aguardava. Gabriela providenciara minha morada, eu nunca vira sequer a fachada. Talvez por isso mesmo não pudesse esquecer.
Tudo que eu queria era largar as malas sobre o colchão descoberto e empoirado, sacar o telefone e ligar para a companhia de TV a cabo. Perguntei-me se não precisava primeiro ligar para a companhia de telefonia. E, sem perceber, entendi o que fazer.

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